"The Quenns" - O Carrasco dos Reis / Volume 01: A Primeira Coroa, Parte I



- Esses são as HQs do Noah?

- Sim, são todos os volumes que ele fez antes de... Bem, você sabe!

- Ele desenhava muito bem!

- Foi ele quem me ensinou a fazer os designes das nossas roupas especiais. Desde então não parei... Desenhei para o Caça-Monstro também... Enfim, o que quer com as histórias dele?

- Pistas do que há por vir! Prometo que tomarei muito cuidado Sam. Posso leva-los e lê-los?

- Acredito que o Noah gostaria disso, que as pessoas conhecessem o trabalho dele.

- Obrigado! Todos do grupo precisam afinal, o Noah era um profeta e acredito que o que ele desenhou aqui são profecias para o futuro! Nosso futuro!

...

"Nota do autor

Essa é a história de um grupo de conjuradores em busca de salvar o mundo, ou, os mundos. Todos eles são únicos e incríveis com suas habilidades singulares, seres assim são conhecidos como Uniques. Mas, não se enganem, apesar de carregarem a fama de super-heróis pelos lugares que visitam e pessoas que salvam eles não exitariam em realizar atos que seriam atribuídos à vilões, e não a heróis. Em um mundo de Luz & Trevas, eles são aqueles que preferem não optar por lados, que ficam no meio termo, defendem o equilíbrio, e quanto a seus atos, pode-se esperar de tudo. Esteja avisado.

Noah".

...
VOLUME 01
A PRIMEIRA COROA
PARTE I - O CARRASCO DOS REIS


Seguindo os sinais alados a brava ruiva avança, no meio da noite, pela fria e  mística floresta em direção a um local proibido à todos: A Cabana da Bruxa. Um local belo, porém sombrio. Muitos creem que a bruxa é apenas um mito, uma lenda, uma história para afastar os indesejados. Mas a ruiva sabe que ela é real, tanto que essa não fora a única vez que a visitara para ouvir seus conselhos e descobrir suas predições.

- Quatro Clãs e Quatro Barcos de outros reinos se aproximam de seu reino, o mais bonito e mais visado de todos. Quando um Kelpie chegar à encosta e subir ao solo marcará o início da cadeia de eventos que mudarão o destino de todos. Do reino e o seu, Margaret! - Disse a Bruxa, de cabelos grisalhos, oculta nas sombras da cabana, vestida com uma enorme pele de urso e preparando uma poção;


Kelpie, um cavalo marinho
- O que um cavalo marinho pode fazer de tão ruim ao sair do mar? Me devorar?! Mudar meu destino? Só eu que detenho o direito de mudar meu próprio destino! - A ruiva ficou brava com as predições da Bruxa;

- É muito mais sério do que você imagina princesa. Uma conspiração se inicia como uma tempestade no horizonte. Um plano maligno para tomar seu reino fora formado, e seus pais serão traídos por alguém próximo!

- O Festival da Conquista se aproxima, esses barcos devem ser navios dos reinos vizinhos parceiros de longa data do reino. Mas são todos amigos, porque eles iriam trair meu pai?

- Eu vejo uma traição, mas vejo também uma saída. E dependendo do que decida, a chave para a sua liberdade está em suas mãos. - A Bruxa lhe entrega um presente - Com isso, ainda que não queiram, eles mudarão e lhe darão ouvidos!


Pico Mahur, na Floresta Amaldiçoada

A ruiva montou seu Pwca negro e se afastou da cabana da bruxa no Pico Mahur, onde é sempre inverno, na proibida Floresta Amaldiçoada onde moram os Nigros, bestas sanguinárias em forma de grandes ursos negros, apesar de não serem vistos a centenas de anos. Talvez a única criatura que temia. Saindo da parte proibida das ilhas e montanhas que formam seu reino ela observou as Ruínas dos Ursos, um antigo templo que marca o inicio da Floresta Proibida onde as criaturas eram cultuadas. De vez em quando algumas pessoas vinham vigiar o local, impedir que adentrassem a floresta mas, talvez por ser uma princesa nunca a impediram de atravessar. A curiosidade lhe levou até lá certa vez, e fogos-fátuo à levaram até a cabana da bruxa, que a acolheu durante uma tempestade no eterno inverno. Desde então a princesa sempre a visita para saber sobre o mundo fora do reino, ela sempre quis conhecê-lo.
  
A Ruínas dos Ursos


Depois dessa conversa reveladora Margaret não tinha dúvidas de que não poderia mais adiar seu sonho: Fugir. Ela desejava conhecer e desbravar o mundo. Vieksin é um mundo realmente grande cheio de locais e reinos inexplorados. Queria zarpar em um navio para fora das ilhas do reino, avançando contra os Minchs elementais da água, ouvir os cantos hipnotizantes das Selkies enquanto velejava, quem sabe até enfrentar um dos patronos dos mares de Galléiah? As gigantescas serpentes Lléss. Quem sabe como seriam os patronos de outros reinos? Se pudesse vê-los! Queria desbravar matas desconhecidas com seu pwca caçando os terríveis Redcaps, correndo com os simpáticos Wulwers selvagens e se casar somente quando ela mesma encontrar o amor.

Estava cansada de viver aprisionada à seu castelo e aos deveres de uma princesa. E o que mais a assustara era o fato de sua idade estar avançando e ser obrigada pela rainha a se casar, um casamento arranjado fruto de um acordo comercial entre dois reinos, assim ela seria levada contra sua vontade à um lugar distante para ficar presa à tais obrigações, a um rei que nem conhecia, como aconteceu à sua mãe. Se ao menos tivesse nascido homem, como seus pequeninos irmãos caçulas, poderia ela mesma escolher seu destino. Mas antes de fugir, tinha que contar o que descobrira ao rei e a rainha, só abandonaria seu reino após ter a certeza de que sua família estará à salvo.


Margaret

Voltando por um atalho fora da estrada, Margaret encontrou um rastro que lhe gelou a alma. Seria um urso? Ou pior, um Nigro? Seu pwca relinchou como aviso de que não estariam sós, então recostaram à sombra de uma árvore próxima a um lago, aguardando a criatura se revelar, já que o rastro era recente. A ruiva sacou uma das flechas de sua aljava, feita por ela mesma, e a posicionou em seu arco, controlando a respiração para um disparo certeiro. E respirou aliviada ao descobrir se tratar apenas de um wulwer pescando, e com muita dificuldade. O lobo selvagem se assustou quando uma flecha vindo da floresta acertou em cheio sua pressa, um enorme peixe-tigre. O animal correu assustado abandonando a caça, e Margaret pensou em leva-la para os cozinheiros do reino. Mas ao coleta-la se aproximando das águas ouviu os assombrosos lamentos de uma Nighe do outro lado do lago. Seus pelos do braço arrepiaram-se. Ver uma Nighe, uma fada da morte, é um mal presságio. Alguém próximo morreria.


Nighe, a fada da morte

- Não se eu te acertar primeiro! 

Gritou Margaret para a fada pegando sua flecha e atirando rapidamente. Mas a criatura já não estava lá quando a flecha acertou uma árvore. A ruiva pensou que poderia ser apenas coisa de sua cabeça. Ela se certificará que ninguém ouse roubar o reino de seus pais. Voltando com a caça de 6 quilos abandonada pelo wulwer ela se viu acompanhada de diversos forasteiros ao adentrar o reino de Callanish. Vislumbrou as preparações para o Festival da Conquista e a chegada de diversos visitantes de todos os outros três reinos de Galléiah, ainda que no final da tarde, antes dos portões fecharem. Uma enorme alegoria de enfeites e tapeçarias contavam a brava história que se homenageia no festival: A história dos seus ancestrais e a guerra contra os nigros invasores. Guiados por seu líder xamã Mahur, uma besta tão poderosa e inteligente que assemelhava-se a um humano, eles invadiram o reino e quase massacraram a todos. Mas foram vencidos pelo primeiro Rei depois de se unir a outros três reinos que hoje formam Galléiah, dizem que Mahur foi morto no pico que hoje leva seu nome, e toda a floresta fora amaldiçoada pelo inverno sem fim por causa de sua morte, os nigros que o seguiam foram banidos para essa floresta onde reza a lenda que vivem até hoje a espera do retorno de Mahur, e à noite quando há terríveis tempestades de neve ouvem o bramir de seu líder.

Reino de Callanish, o mais belo dos reinos de toda a Galléiah

Porém, não lhe parecia ser a hora para tradições e costumes, para conseguirem chegar às ilhas de Callanish, qualquer visitante precisaria de barcos, sendo assim, seria provável que os navios cujo a bruxa lhe falou já estivessem bem próximos à costa. Margaret jogou o grande peixe na mesa da cozinha do castelo, por onde entrava quando não queria ser vista por sua... "Mãe!"

- Onde esteve por toda a tarde mocinha? - Perguntou-lhe furiosa a rainha Elionor esperando-a na cozinha.
Selkies montadas em Kelpies.

- Ah! Mãe desculpe se eu perdi "a aula de chá"! Estava cavalgando com Aveia procurando Selkies! - Sentou-se despretensiosa a ruiva em um dos bancos da grande mesa onde tortas de abóbora eram feitas, e aproveitou para se lambuzar sem cerimônias em uma delas.

- Margaret você já está crescida e sabe de suas obrigações! Iria te ensinar sobre a tapeçaria, e nem me fale do chá! Como princesa tem certos costumes que você precisa saber, e passar adiante! Pare de ficar se comportando como um menino insolente cavalgando pela floresta com aquela besta metamórfica selvagem! - A Rainha perdeu a compostura, como sempre fazia, quando a questão era o comportamento de sua filha.

- Eu domei o pwca à anos mãe! - Falar de boca cheia era o cúmulo para a rainha, mas Margaret não fez por mal - Odeio tapeçarias! Odeio chá! Tem algo mais importante para te contar! Por favor me escuta! É sobre os reis amigos do papai, eles não podem vir ao Festival da Conquista porque...


Primeiros Rei e Rainha
- Do que você está falando Margaret? Como assim "odeia tapeçaria"? - Interrompeu-lhe bruscamente - É o nosso costume! Nossa tradição! Nossa história! É por isso que mães e filhas de todo o reino usam esses fios de lã nos nossos braços! - Margaret puxou o fio verde em seu braço com descaso à tradição - Furiosa a rainha à carregou pelo braço até a sala do trono onde uma exuberante tapeçaria contava a história da formação do reino e o primeiro rei e rainha - Essa tapeçaria foi bordada pela primeira rainha de Callanish e suas filhas, e como simbolo do trabalho amarraram um fio de lã no braço, diz a lenda que enquanto estiver intacta na sala do trono nenhum Nigro ousará sair de seu exílio e retornar às terras do reino... As mulheres do reino fazem isso a mais de duzentos anos! Como pode não gostar dos nossos costumes? - Olhou serena a rainha para sua filha rebelde, comparando suas pulseiras de linha de lã, esperançosa que isso lhe tocasse o coração.

- Me larga mãe - Gritou a princesa em fúria - Já estou farta de ser obrigada a aprender costura, não é disso que gosto! Eu gosto de cavalgar, de caçar, de invadir matas virgens, igual ao papai! Porque eu precisaria aprender isso para "passar adiante" se nem filhas eu tenho ainda?

- O que está acontecendo aqui minhas garotas? - Adentrou à sala do trono o Rei Fergulus e seus jovens filhos homens, todos três um ano mais novo que o outro. Seis, cinco e quatro consecutivamente, sendo Margaret oito anos mais velha que o primeiro dos garotos, a única mulher dos quatro filhos que tiveram o rei e a rainha;

- Deixa eu adivinhar - Disse Harrison, o mais velho dos garotos brigando por amoras-tomate em um cesto com os irmãos mais novos - Mag aprontou de novo! - Os outros sorriam apontando os dedos sujos com a forte tinta do fruto;

- Papai a mamãe não quer escutar o que estou tentando contar! Seus amigos reis não podem vir esse ano, e tudo o que ela quer é me obrigar a fazer chá e a costurar! Eu gosto de cavalgar e caçar como o senhor! O senhor viu o que eu trouxe hoje para o jantar? - Implorava ao rei, Margaret, porém, soando apenas como uma criança mimada em busca de atenção;

- Não vai me dizer que aquele peixe-tigre gigante na fornalha foi você mesma quem pescou? - Perguntou o rei admirado com a destreza da filha;

- Com apenas uma flecha, a seis metros de distância da margem do rio! - Se gabou Margaret esquecendo-se do assunto principal; 

- Incrível! - Logo depois o rei percebeu o olhar fulminante de sua rainha - Quer dizer... Margaret isso não é modos de uma princesa se comportar! Você precisa ouvir a sua mãe, ela sabe o que é melhor para uma princesa! - Fez sua voz mais autoritária - Princesa eu sei que não quer que eles venham por causa do duelo dos príncipes pela honra de sua mão em casamento, mas já está na hora de você se casar!

- O quê? - Gritou a ruiva desapontada com o pai - Isso foi ideia sua não é mesmo mãe? Toda essa história de chás e bordados, a senhora insistiu que eu aprendesse essas besteiras porque vão me casar a força com um príncipe qualquer!

- Margaret, já basta! Eu sei que não tinha te contado, você nunca me dá chances... Esse ano o festival será diferente, e nas justas os príncipes dos três reinos de Galléiah duelarão pela sua mão. E como eu poderia entregar-lhes uma esposa que nem ao menos sabe servir um chá ao marido?

- Não se preocupe mamãe, não vai precisar! - Gritou a princesa levantando seu vestido sujo e rasgado de tanto embrenhar-se na floresta - Eu não vou precisar aprender a fazer chá e nem a costurar porque eu não vou me casar! Nem sob pena de morte! - Margaret feriu severamente sua mãe quando em um acesso de ira pegou um dos frutos dos irmãos e lançando-o contra a tapeçaria a manchou de uma maneira irremediável.

- Não! - Gritou a rainha com toda a fúria, e mesmo a princesa percebendo que exagerara, já era tarde demais para se desculpar - Dessa vez você passou dos limites! A sua falta de respeito para comigo e para com a nossa história acaba hoje! Para o seu quarto agora! Fique lá até aprender a costurar, e a fazer chá, pois você irá se casar, nem que seja amarrada ao altar! Ou eu não me chamo Elionor!

- Mãe... Por favor me escuta... - Implorou uma última vez a princesa aos prantos;



- Senhorita Mendine - Ignorou a filha chamando pela ama que lhe auxiliava nos cuidados com os filhos - Leve lã e agulhas, bule e xícaras, e tudo o que for necessário para que a princesa Margaret aprenda sozinha o que venho tentando ensina-la. Tranque-a no quarto até que já saiba fazer tudo, nem que seja por três dias, até que chegue o dia do Festival da Conquista! - Doera em Margaret, mas doera igualmente em sua mãe.





Margaret jamais imaginaria que esse castigo fosse levado a sério. No primeiro dia ela gritou para as paredes, quebrou objetos, e até insinuou um suicídio. No segundo dia, rouca, percebera o quanto suas ações e palavras realmente machucaram sua mãe, e isso a deixou bastante triste. Mas foi no terceiro dia, ao acordar assustada com a imagem da Nighe em sua mente, que ela enfim resolveu parar de se portar como uma princesinha mimada e levar esse castigo à sério. Não acreditavam nela, achavam que queria apenas se livrar do casamento e não poderia revelar a fonte de sua informação, senão poria tudo a perder. Precisaria salva-los. Já era o terceiro dia e em menos de vinte e quatro horas o festival começaria e então seria tarde demais. Ela se esforçou para lembrar de todos os detalhes sobre como fazer, servir e se portar à mesa com relação ao chá, e costurou, toscamente, mas costurou, seu vestido rasgado para provar que também aprendera. Desesperada ela se viu lutando contra o tempo, teria que pensar em algo rapidamente para salvar seus pais da traição, para impedir os conspiradores do reino. E não havia escolha. Ela tentara por diversas vezes alerta-los sobre tais perigos e eles não lhe deram ouvidos. Agora só lhe restara uma ultima alternativa, o presente da bruxa.


- Mendine! - Aos berros a ruiva chamou a ama que atendeu ao seu chamado prontamente - Chame meus pais e meus irmãos imediatamente!

- Por qual motivo princesa? Aprendeu tudo o que a rainha Elionor queria que aprendesse?

- É para esse motivo que os quero aqui! Quero mostrar-lhes o que aprendi, quero servi-lhes chá.

A princesa serviu o chá feito por ela para toda a sua família, os irmãos e pais se espantaram em presenciar Margaret fazendo algo tão delicado, e a rainha transbordava comoção ao ver a filha tão empenhada em algo. "É claro que uma pedra bruta ainda pode ser lapidada", pensava Elionor quanto à inexperiência da princesa em servi-lhes, e em como estava mal costurado o remendo de seu vestido, e sorriu ao pensar que a filha, realmente, não tinha o mínimo jeito para isso, apesar de seus esforços. Mas se sentiu profundamente orgulhosa por vê-la dando-lhe ouvidos. E quando terminou de degustar o exótico chá com a família, Elionor percebera que havia exagerado, mas não poderia dar o braço a torcer, apenas elogiaria sua filha. E quem sabe esse casamento às pressas poderia ser adiado.

- Filha - Após todos terminarem seus chás, a rainha decidiu falar - Não sei que ervas usou, não às conheço, mas o chá está incrível e sua apresentação foi exuberante... Bem - Olhou para o marido - Sobre o casamento, talvez devêssemos...

- Não! Escutem vocês - No susto a rainha mal pôde completar a frase - O Festival esse ano não pode acontecer! E vocês irão cancela-lo! 

O rei Fergulus revirou os olhos vendo que a filha não desistira dessa história, lembrando bastante Elionor quando era jovem, bastante teimosa. A rainha não imaginava um ato de rebeldia à essa altura, logo agora quando estava decidida a voltar atrás e adiar o casamento para daqui a dois anos quem sabe. Os irmão pensaram "E lá vamos nós!" e começaram a rir. Porém, de imediato às declarações de Margaret todos se viram inusitadamente concordando com a princesa e seus absurdos. Enquanto ditava as regras a rainha fora tomada por uma nauseante enxaqueca. Percebera os filhos da mesma forma e o rei com ânsia de vômito. Elionor olhou para a filha confusa e se via impelida a acatar suas ordens.

- Os reis dos outros reinos de Galléiah são traidores! Eles planejam roubar o trono do papai! Vocês não podem permitir que isso aconteça! Não podem! - Gritou com toda a convicção Margaret, percebendo que todos, dessa vez, estavam lhe ouvindo.

- Mas eles já estão no castelo querida! Chegaram ontem enquanto estava de castigo! - Disse o Rei suando frio com o efeito do chá;

- O quê? Não! Livrem-se deles! - A princesa se via desesperada;

- Margaret... - Nauseada e trêmula sua mãe levantou-se - O que colocou nesse chá?

A ruiva não poderia revelar que misturou as ervas de sua mãe com a poção da bruxa, o presente que ela lhe deu. Era essa sua última alternativa já que seus pais não queriam lhe escutar. A bruxa havia falado que com esse presente seus pais lhe dariam ouvidos, e ela desejava de todo o coração que isso acontecesse.

- Tudo bem querida - Respondeu o rei em absoluto, ainda que igualmente trêmulo. 

- Já para o seu quarto - A rainha sentia-se extremamente mal, e ao se aproximar dos filhos viu os três vomitarem, e logo após se viu fazendo o mesmo.

- Meninos! Mamãe! Vocês estão bem?

- Para o quarto agora! - Gritou a mãe preocupada com os mais novos, e indisposta a mais rebeldias da filha.

A ruiva saiu da sala aos prantos, esperando realmente que o chá fizesse efeito e que seus pais estivessem à salvo. Mas ao subir à escadaria viu seu pai ordenando ao conselho que expulsassem os reis visitantes assim que acordassem, pois já era tarde da noite. E de repente toda a sua aflição se transformou em contentamento, dever cumprido, e ela se viu aliviada por ter evitado a traição dos amigos do rei. Ainda de cima da escadaria ela vislumbrou por longos minutos sua mãe se recuperando, seus irmãozinhos, e seu pai. Sentiria tanta a falta deles, mas não poderia passar toda a sua vida num misto de preparações para seu casamento e castigos. Sua família estaria bem mais feliz sem suas rebeldias. Conforme a bruxa havia falado, esse presente também seria a chave para sua liberdade. Depois de impedido a traição que ocorreria no festival, era hora de ir.

Margaret levantou-se cedo, com sua mala já pronta, hora de partir, em busca de seu sonho. Um desejo inquietante lhe impulsionava a querer ver seus pais, uma vez mais. Nas pontas dos pés, chegando próxima à porta do quarto real ela aquietou tal desejo, pensando que não precisaria ficar longe para sempre. Quando fosse a capitã de seu próprio navio poderia retornar uma vez ou outra para visitar seus velhos pais e irmãozinhos. O desejo e a saudade que já sentira a levou a apertar a maçaneta e girando-a assustou-se com um tremendo ronco de seu pai. No susto nem perceba que por impulso já havia uma flecha preparada em seu arco. Ela sorriu. Não entrou. Tocou na porta e lagrimejou. "Adeus" pensou.



"A brava ruiva"


"A brava guerreira de cabelos em chamas, 
partia em definitiva para os braços que a chama. 
A Serpente Lléss em fúria rugia, 
contra as crias aladas da ruiva que ria
Eu vi luz e vi trevas, 
vi armas e magia, 
com um golpe certeiro a serpente caia
Ao seu lado guerreiros a líder aplaudia, 
são os feitos da brava guerreira que cabelos ardiam"


Lléss, Patrona dos reinos de Galléiah.

A princesa, sob uma capa e capuz para não chamar atenção, se aproximava do cais na praia e imaginaria que estivesse cheio como sempre estivera nessa época do ano. Imaginou que as pessoas ainda não souberam que o festival havia sido cancelado. O Pwca é um animal selvagem com grandes habilidades metamórficas, e ainda que se sinta familiarizado em ser um cavalo, fez-se necessário para não chamar atenção alterar-se para outro quadrúpede senão o conhecido Aveia, o cavalo negro da princesa, sendo assim ele assumiu a forma de uma ovelha negra. Sentada esperando que qualquer um dos navios zarpassem para fora das ilhas ela ouviu um trovador cantar sobre os feitos dessa brava guerreira de cabelos em chamas, e imaginou que queria ser como ela. E que seria, em sua nova vida, essa guerreira enfrentou a serpente patrona dos reinos de Galléiah, o sonho de Margaret, quem sabe um dia um trovador cantasse suas aventuras por toda Vieksin.


Estranhamente, percebera que mais barcos chegavam que partiam, e que os navios dos outros reinos ainda jaziam ancorados, e nem sinal de nenhum deles retornando às suas terras. Margaret levantou-se e analisando os navios dos três clãs, descobriu um navio com um brasão que não conhecia. O "quarto Clã?", pensou. Um velho navio em frangalhos, à deriva na praia e não devidamente ancorado, sem tripulação, completamente abandonado. Na ponta do mastro uma criatura esculpida, e assustada a princesa percebera se tratar de um Kelpie. Olhando de volta para onde fica o reino percebeu fumaça cobrir os céus. A grande fogueira do festival havia sido acessa dando inicio às festividades. Em pânico olhou para o navio novamente e pensara no que a bruxa havia lhe falado: "Quando um Kelpie chegar à encosta e subir ao solo marcará o início da cadeia de eventos que mudarão o destino de todos. Do reino e o seu!". Margaret apavorou-se imaginando sua família em perigo, montando em Aveia, assumindo novamente a forma de cavalo negro, retornou ao reino. Não deveria ter saído de lá até ter tido a certeza que os reis haviam deixado o castelo. Longe da praia a princesa jamais poderia imaginar que no navio haviam tripulantes, a ruiva guerreira das canções do trovador e seus dois companheiros.


De volta ao lar

Quando chegara no reino as chamas que antes representavam festividades agora representam o caos. Ano após ano elas eram contidas formando uma linda torre flamejante, mas não aquele ano. As chamas vinham das casas no vilarejo. Margaret vira os plebeus correndo desesperados e imaginou que os reis haviam posto seus miraculosos planos em ação, haviam dado o golpe para tomar o trono de seu pai. A ira lhe tomou por completo e cavalgando retornou ao castelo onde vira diversos plebeus mortos na entrada, assim como guardas e nobres. Margaret pulou de Aveia e armou uma flecha em seu arco, correndo para dentro em direção à sala do trono , gritando por seus pais. Parou à porta quando viu um dos reis visitantes no caminho.

- Fuja! Fuja! - Cuspiu sangue - Eles retornaram... Ele retornou - Advertiu-o o senhor fatalmente machucado;

- Quem retornou? - Perguntou a princesa;

O rei com suas últimas forças apontou em direção ao trono, caído no chão com marcas profundas em suas costas ele havia sucumbido aos ferimentos e morrera. Margaret entrou na sala do trono apenas para ver o segundo rei visitante morto, estraçalhado no chão, e presenciar a execução do terceiro rei pela criatura. Com lágrimas nos olhos a princesa não conseguia acreditar no que via, o carrasco dos reis a encarava com seus olhos sedentos por sangue, e não estava só, quatros outros como ele se uniam em volta do trono sob a pilha de cadáveres que se encontrava no grande salão. Toda a comitiva dos três reis havia sido massacrada. A ruiva olhou para o trono e viu o verdadeiro usurpador debochando de sua inocência.

- "Um plano maligno para tomar seu reino fora formado, e seus pais serão traídos por alguém próximo" - Margaret repetiu a predição da bruxa e percebera enfim quem era o verdadeiro traidor do reino... O verdadeiro carrasco dos reis... Ela mesma;
A Bruxa

- Eu havia lhe alertado que eles mudariam e te escutariam - A velha de cabelos grisalhos sob a pele de urso negro estava sentada no trono que pertencia a seu pai. Tanto o rei, quanto a rainha e seus irmãos, agora estavam sob a pele de Nigros também;

- Sim... Eu pedi para não confiarem nos reis... - A inocente ruiva não se via mais tão inocente assim, ela não controlava as lágrimas que encharcavam suas bochechas - Eu não entendo... Porquê?

- Não é óbvio querida? - A bruxa levantou-se e pegou a coroa de seu pai que jaz caída no chão, e a pousou sobre sua própria cabeça - O festival da Conquista nunca fora sobre a invasão dos Nigros à Callanish, e sim o contrário. Seu reino foi forjado com as mentiras de seus antepassados. Essas terras sempre foram nossas, e quando os quatro clãs às invadiram o primeiro rei massacrou meu povo, expulsou e exilou os sobreviventes na Floresta Amaldiçoada. E sabe porque ela tem esse nome? A verdadeira bruxa da historia era a primeira rainha, com seus feitiços ela amaldiçoou a floresta e todos que nela foram exilados a se tornarem ursos para sempre. É essa a conquista que tanto festejam, foram vocês quem roubaram nossas terras, essa coroa pertence a mim!

- "Uma besta tão poderosa e inteligente que assemelhava-se a um humano", um xamã... uma bruxa... Você é Mahur! O líder dos Nigros! Não chegou a morrer de verdade, apenas se escondeu naquela cabana. Me enganou sob a pele de humana todo esse tempo e me usou para roubar o trono de meus pais! - Chorou Margaret gritando para a bruxa - Eu te admirava tanto!;

Rei Fergulus
- Eu sempre fui Mahur, nunca deixei de ser, e quando a vi a anos perdida na floresta em meio a tempestade de neve também não havia entendido, a princípio, o porque de não me enxergar como um Nigro... E quem diria que a princesa rebelde seria tão especial? Tão única! Uma unique. Você tem o dom de enxergar os Nigros como realmente são, além da maldição da primeira rainha. Tive apenas que descobrir como passar essa maldição para outras pessoas, e você me ajudou nisso;

Margaret percebera então que todas as pessoas que sempre vira na Ruína dos Ursos eram nigros como a bruxa, seu povo, e que ela os via apenas como humanos sob a pele de urso que trajavam. Olhou para o nigro que acabara de assassinar o último rei visitante e via os olhos selvagens de seu pai lhe encarando, agora vestido com a pele de um nigro, assim como a bruxa, aliás, assim como Mahur. Mas, estava diferente, havia se rendido aos instintos selvagens do animal que se tornara, como se já não fosse mais humano por dentro. Em prantos e completamente carregada sob o peso da culpa olhou para sua mãe e seus irmãos, todos sob a pele de nigros. Todos sujos pelo sangue de suas vítimas. 

- Papai... - Suplicou a seu pai, que agora parecia não lhe dar ouvidos;

- Avancem - Ordenou Mahur, e a ela parecia que os Nigros não poderiam desobedecer, os cinco avançaram lentamente em direção à princesa;

- Me desculpem... Me desculpe mamãe! - Chorou Margaret em talvez suas últimas palavras - Fui sempre tão rebelde, tão inconsequente, e diferente de mim que quis abandona-la a senhora nunca me abandonou, nunca desistiu de mim. Amo vocês. Te amo;

- Matem -na! - Gritou Mahur e o rei amaldiçoado avançou em direção à filha;

- Não se eu te acertar primeiro!

Mais rápida que o urso Margaret lançou uma flecha preparada com muita agilidade, mas não mirava em seu pai ou em alguém de sua família. Mahur era o alvo. 




Continua na Parte II...

(Inspirado em "Valente" da Disney, e no livro "Brava Margaret", de Robert D. San Souci e Sally Wern Comport, por sua vez inspiração para o filme)

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